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Relendo um livro novo.

Por Everton Domingues (@TatoOlimpico

Eram oito e pouco da manhã do outro lado do mundo. Eu, sozinho, num quarto de hotel em Narita, perto do Aeroporto Internacional de Tóquio. Já ia perder o horário do vôo que me levaria a um sonho. Meus primeiros Jogos Olímpicos. Era o ano de 1988, como o tempo passa rápido...

Mas o telefone tocou. Era, simplesmente, um anjo. Um anjo negro do bem. Adhemar Ferreira da Silva do outro lado da linha. Parecia sonho mesmo. Nas 20 e tantas horas de vôo, entre São Paulo e Tóquio, tive a alegria de conhecê-lo a bordo. Aliás, ele me conheceu. O bicampeão olímpico já era meu ídolo, mesmo nunca o tendo visto saltar. Homem clássico, um gentleman. E um coração que só bate no peito dos sábios e humildes.

Nosso vôo pela Japan Air Lines foi só até a capital japonesa, passamos a noite lá pra seguir em outra companhia rumo a Seul. Durante o café da manhã, Adhemar sentiu a falta daquele rapaz falante lá do avião. Tinha coisa muito mais importante pra pensar, viajava como comentarista de uma emissora de tv, coisa de gente grande. Mas lembrou do garoto com sonhos nos olhos. E me acordou a tempo.

Foi tempo contado pra me trocar, comer algo já sentado no shuttle bus e retomar minha lista de planos dentro do avião. Como seria Seul? Era minha primeira viagem internacional. E justo pra tão longe. Mal havia saído da faculdade de jornalismo e já me metia numa aventura inimaginável aos conformados. Amo esportes olímpicos. Alguns ainda mais, como a natação. Fui atleta de competição. Medíocre, é bem verdade, mas apaixonado. E iniciava empreitada com uma publicação própria, especializada nos esportes olímpicos de piscina. Na cara e na coragem.

O Brasil passava uma entressafra de super talentos das águas. A grande promessa daquela geração foi o incansável Rogério Romero, um garoto como eu, na época. Mas já mostrando potencial de poucos. Dias depois, foi o único finalista brasileiro na piscina de Jamsil, na capital sul-coreana. Oitavo lugar de respeito.

Ricardo Prado (ex-recordista mundial) acabara de se aposentar e o bastão de fera brasileira consagrada ainda estava solto no ar, esperando quem o pegasse. E eu acreditava (como só os delirantes sonhadores) que esse revezamento seria ainda mais veloz. O esporte ia crescer muito no Brasil. Haveria espaço profissional, oportunidades, reconhecimento, enfim, campo pra se trabalhar o olimpismo em nosso país. Mas sonhava fora da cama. Ali estava eu, sobrevoando os ares dos tigres asiáticos.

Medo? Muitos. Mas resolvi não olhar tanto pra eles. Amor é o oposto exato desse sentimento ruim. Isso me fortalecia. Era para o amor que sinto pelo esporte olímpico, que olhei durante aqueles 17 dias.

Desembarque no Aeroporto de Incheon ainda na manhã daquele 17 de setembro. Uma semana depois do meu aniversário. Presente preciso. Dia da abertura dos Jogos e eu com uma mala ‘maior’ que o dono. Virginiano é assim mesmo, precavido. Até demais. Com pouco dinheiro no bolso e inglês fraco, quase tão quanto à maioria do povo local. Mas absolutamente estimulado pelo mistério que me aguardava. De ônibus em ônibus (táxi nem pensar) consegui chegar à ilha de Yeouido, que fica no Rio Han, dentro de Seul. Larguei as coisas na casa do meu anfitrião, jornalista brasileiro (bem mais experiente que eu, claro) e irmão de uma grande amiga atleta que fez a ponte de contato. Outro elo fundamental para a concretização do presente divino.

Depois de outra peregrinação messiânica por aquela cidade enorme (Seul é muito espalhada num território superior a 600 mil km²), consegui chegar ao Intercontinental Hotel, local do credenciamento. Essa novela do ‘crachá’ olímpico merece até uma história à parte, um dia conto. Não dá tempo, agora. A cerimônia de abertura estava prestes a começar. A moça do atendimento tinha acabado de passar a fita pela minha cabeça, deitando a credencial sobre meu peito. Os meus olhos mal piscavam. Não havia tempo pra mais nada. O telão mostrava o início da festa direto do Estádio Olímpico. E o tempo parece que havia parado naquele salão. 

Minha credencial, como a da grande maioria dos olímpicos não dá acesso irrestrito. Até porque não caberia todo mundo em cada um dos locais. Já pensou se todos têm a mesma idéia e pudessem entrar? Mas eu não reclamava, não. Estava no lugar certo. Na hora certa. Da maneira mais precisa que poderia haver. A pressa acabara.

Já quase se passaram longos (e rápidos) 24 anos. Cresci como homem e profissional. Mas, que bom, continuo aprendendo a cada dia. Uma ‘criança’ com apetite. A vida se renova. E um exemplo é este aqui. Falta pouco tempo para a abertura de mais uma edição olímpica, agora em Londres. E aquele garoto de 88 voltou a incorporar em mim. Também sem poder entrar no Estádio Olímpico, não cabe todo mundo lá dentro. Porém, atrás desse par de olhos escuros (quem nem piscam) cabem mais sonhos. Que não se conformam em ficar quietos. Querem sair. Pois, assim são os sonhos reais. Acontecem!

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