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Surto Mundo Afora #55 - O racismo esportivo só mudará quando os negros assumirem as entidades



Por Bruno Guedes

Novamente o racismo voltou a ser assunto no esporte. E mais uma vez a indignação é geral, imprensa e população. Mas está tudo errado. Não adianta apenas condenar e repudiar atos criminosos - e qualquer outro tipo de preconceito - se o problema está enraizado. Vivemos em um mundo racista e cujas vítimas são as principais aleijadas do debate. São brancos delegando e negros ouvindo, uma inversão de valores. 

Não foram poucas as vezes em que casos racistas ganharam as páginas esportivas. Deixaram de lado as conquistas, entrou a dor. Esta que só quem é negro pode expressar e falar. E mesmo assim, poucos têm lugar de fala para se manifestar. Pior: poucos têm acessos às ferramentas realmente capazes de mudar o panorama atual. O negro só teve espaço como ouvinte, nunca com a mudança.

O racismo que vivemos é estrutural. No Brasil, especificamente, tivemos 388 anos de escravização (palavra que faz mais sentido quando lembramos que foram pessoas arrancadas de seus lugares à força). E ainda assim há quem negue não só o período, como os problemas por ela causada. No mundo, o pensamento teve seu enraizamento definitivo com a neocolonização, a partir do século XIX. Os criminosos que pensam desta maneira são incapazes de compreender que o negro pode estar aonde quiser. Não faltam exemplos.

Quando Tommie Smith e John Carlos baixaram a cabeça e ergueram seus braços, alusão aos Panteras Negras nas Olimpíadas do México de 1968, o manifesto já fazia eco há 32 anos na luta pelos direitos relegados. Jesse Owens, ao derrubar os discursos racistas de Hitler embaixo do seu nariz, foi a primeira grande figura esportiva que sentiu na pele o racismo dentro e fora do seu país. 

Owens chegou a Berlim na terceira classe do navio que levava os atletas americanos. A simbólica vitória racial sobre o nazismo mostrou ao mundo o quanto o preconceito independia de lugar, já que dentro dos EUA ele também vivia sua segregação. Esta que foi alvo dos protestos de Smith e Carlos três décadas depois. Porém, em 2019, ainda vemos que toda a luta continua atual e presente...

Tais exemplos comprovam sobre o dano do racismo estrutural na sociedade. O negro é visto sempre como ligado às áreas braçais, culturais ou esportivas. Há uma enorme incapacidade de vê-los em locais de grande representatividade. Há um enorme vácuo de representação nos grandes cargos! Cargos estes que são os que podem de fato dinamitar o problema. Quantos negros foram presidente do Comitê Olímpico Internacional? Quantos foram presidente da FIFA? Por que a negritude tem tantos representantes só na parte atlética e não na gerencial? É aí que o racista atua, nessa lacuna histórica.

Recentemente tivemos um caso de racismo na torcida do Atlético-MG, cujo ex-atacante do Galo, Reinaldo, tanto tempo lutou contra. Para ficarmos apenas no futebol, façamos uma reflexão: a Seleção Brasileira viveu suas maiores conquistas com atletas negros. Mas nunca teve um treinador negro. Mais alarmante é ver que nem mesmo a CBF teve um presidente negro, bem como os grandes clubes do Brasil, chamados de populares mas que não representam por completo a maior parte desta população nacional.

Por conta da ausência de lugar de fala e decisões que o racismo ainda persiste. Não há interesse dos mais altos cargos, sejam eles em qualquer uma das grandes entidades esportivas, em mudar. E por um simples motivo: eles não sofrem com o assunto. O racista não faz som de macaco para o Gianni Infantino. O racista não entoa cânticos nazistas contra o Thomas Bach. O racista não faz gestos preconceituosos contra o Rogério Caboclo. São brancos falando por negros. Como algo vai mudar o panorama assim?

O racismo não vem apenas com o crime em si, vem com toda a estrutura supracitada. O negro não ganha espaço suficiente. O negro não tem a voz que pode mudar tudo isso. E o preconceito segue vencendo, os criminosos seguem impunes e a negritude tratada com desrespeito.

É estrutural. O racista sabe que será esquecido, com a cumplicidade dos grandes brancos sentados sobres as cadeiras que assinam os contratos e a falta de espaço das vítimas de fato.

foto: Oleksandr Osipov/AP/Shutterstock

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