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Surto Entrevista - Mayra Aguiar

Por Juvenal Dias

Mayra Aguiar é uma das judocas com maior prestígio dentro do cenário nacional e uma das esperanças de medalha em Tóquio-2020. Ela esteve no complexo do Pacaembu, no dia 24 de novembro, para entregar medalhas para os jovens atletas da Liga Nescau Jovem Pan. Ela é uma das embaixadoras da competição. Antes disso, ela reservou um tempo para conversar com a reportagem do Surto Olímpico. Confira tudo o que ela falou em quase meia hora de bate-papo. 


- Você começou a fazer judô com seis anos. Conta como foi essa história

O começo foi engraçado, pois eu fazia ballet e minha irmã fazia judô. Não tinha idade ainda para entrar no judô. Ia lá para assistir às aulas. Chegou um momento, minha mãe que conta, que eu fugia do ballet para fazer judô, mesmo não podendo. Ela conversou com o professor e ele liberou. Até fiz outros esportes, mas o que me segurou no judô foi a competição. Cada fim de semana tinha uma e eu sou muito competitiva, desde muito nova.

- Você nunca teve medo?

Não, nunca. Sempre foi muito divertido, muito leve. Hoje é minha profissão, desde meus 14 anos, quando entrei na seleção. Já consegui meu primeiro patrocinador. Nunca pareceu uma profissão, eu sempre curti muito fazer judô. Era quase como um hobbie. Foi maravilhoso essa caminhada toda porque foi muito leve.

- E como foi o apoio dos pais?

Desde sempre. Até hoje, agora mais emocional. No começo tinha o “paitrocínio”. Meu pai é totalmente viciado em judô, sabe tudo. Tem competição rolando, eu não estou lá, mas ele está assistindo, de madrugada. Eles viveram tudo isso comigo. Uma das coisas mais importantes, que fez eu chegar onde cheguei, foi o apoio deles.

- Como é ser embaixadora de um evento como a Liga Nescau Jovem Pan que reúne mais de 8 mil crianças?

É maravilhoso. Para mim é muito gratificante. Quando eu era criança, tive meus ídolos, pessoas que me inspiravam, atletas importantes perto de mim. Aquilo me fez crescer muito, me ajudou muito, me inspirou muito. Então, eu poder passar um pouquinho do que foi importante para mim para as crianças é muito gratificante. É uma responsabilidade a mais, porque você vira um exemplo. Mas é gostoso, porque o carinho que elas passam é incrível. Elas vêm, te abraçam e te beijam. É muito gostoso. Adoro estar nesse meio.

- E a importância de competições escolares desse tipo?

Quando comecei no judô, estava na creche. Passei um bom tempo treinando em escola. Minha base do judô, a iniciação, o fazer gostar do esporte, as brincadeiras, os convívios com atletas, as amizades foram muito importantes no meu começo. Esse tipo de incentivo que o pessoal dá, de fazer competições, de reunir essas crianças, de estimular, ainda mais no judô, que tem uma das filosofias mais bonitas que existe, na qual prega o respeito ao adversário, lidar com a vitória ou com a derrota é maravilhoso. Proporcionar isso para as crianças logo cedo é incrível.

- Você citou a questão dos ídolos e de conviver com pessoas importantes no esporte. Quais foram os seus dentro do judô e no esporte em geral?

Tive muita sorte de ter muitos ídolos junto comigo quando comecei. Com 14 anos já convivia com os atletas principais de cada categoria. Então, o Thiago Camilo, o João Derly, eu tive o prazer de conviver com eles na Sogipa, onde treino até hoje, e por muito tempo. Eu vi o dia-a-dia deles também. Como o João fez para ser bicampeão mundial de judô. E hoje eu sou uma bicampeã mundial. Eu lembro que, quando acabou o segundo mundial, o Kiko, meu técnico, me ligou e estava junto com o João. Pedi para falar com ele e agradeci. O João se emocionou. Foi uma coisa que para mim fez muita diferença. Eu estar junto, me espelhar nele, você vê que é possível. Hoje eu sou referência na Sogipa e para os judocas do Brasil de que pode ser feito, que podemos chegar lá. Essa troca que vai tendo de geração em geração é muito bacana.

- Já que você falou de ser bicampeã mundial. Fale da emoção dessas conquistas e de já ter participado em três edições dos Jogos Olímpicos, sendo o último “em casa”.

Foi maravilhoso todas as Olimpíadas que participei. Tiveram um gostinho muito especial. A primeira, não ganhei medalha, foi Pequim-2008. Mas acho que a experiência que eu obtive nesta competição, a pressão de viver o ambiente, o Parque Olímpico é mundo completamente diferente. Você não está preparado para aquilo. Perdi na primeira luta, mas ter vivido deu a bagagem para poder buscar minhas medalhas nas outras edições. Chegou Londres-2012 e foi uma competição muito dura para mim. Fui machucada, com uma lesão no ombro, que em seguida tive que operar. Na primeira luta machuquei o punho. Foi uma coisa atrás da outra. Perdi a semifinal e tive que voltar ao tatame para buscar o bronze. A do Rio foi inexplicável. Foi um dos momentos mais felizes de toda minha carreira. Não veio o ouro, mas tudo o que eu vivi, de ver a torcida inteira gritando meu nome, parecia que estava em um estádio de futebol. Foi incrível, maravilhoso. Foi uma das maiores emoções que tive na vida. Depois que eu conquistei a medalha, saí e pulei no pessoal. É muito difícil estarmos com nossa família, nossos amigos nessas competições grandes e lá estava todo mundo. Foi mágico poder abraçar eles depois de uma conquista, de uma medalha olímpica.

O Mundial é uma das competições mais difíceis, é até mais que uma olimpíada. Porque podem entrar duas atletas de cada país. Então são duas japonesas, duas francesas, duas russas. É uma competição muito dura e todos, no ano, se preparam para aquela competição. Conquistar um título mundial também é um dos meus xodós, além das Olimpíadas, mas tem aquele gostinho especial de ‘eu conquistei o mundo em uma competição tão importante’. Sempre girou em volta de superação. Foi bem depois que eu operei, tinha voltado de cirurgia. A cabeça naquele momento foi muito importante. Não estava melhor fisicamente nem tecnicamente que as adversárias, mas eu preparei muito minha cabeça durante aquele tempo que tive que ficar parada. Isso que me ajudou a conquistar esses títulos.

- Você falou de Pequim (Olimpíada que competiu na categoria até 70 kg). Mudar de categoria para até 78 kg te ajudou na carreira?

Sim, também ajudou. Eu sofria muito para bater os 70 kg (peso médio). Eu estava em fase de crescimento, adolescência... Aquilo estava ficando doloroso para mim. Viver aquele momento, competir... Estava indo, estava bem, em um momento muito bom da carreira, mas tinha essa dificuldade. Era uma transição da Edinanci Silva, que estava saindo da categoria. Os diretores do judô se reuniram comigo, pensamos bastante e optei por subir. Logo no primeiro ano, conquistei uma medalha no Mundial Júnior. Medalhei fora em competições internacionais. Pensei: ‘bom, estou feliz, estou podendo comer e estou conseguindo competir’. Então deu tudo certo. Foi uma estratégia muito bem pensada.


Houve pelo menos duas competições importantes neste ano para sua modalidade: o Mundial do Azerbaijão e o Mundial Militar, que foi no Rio de Janeiro, mas você não pôde participar. Comente a respeito da seleção nas competições e da sua participação em Baku.

Eu saí este ano da Marinha. São oito anos que você pode ficar e completou este ano o ciclo. O Mundial deste ano não foi o que eu esperava. Estava bem, em uma fase boa. Mas, infelizmente, é do esporte. Acontece. Essa chinesa que eu perdi na segunda luta, já tinha lutado com ela este ano. Havia vencido. Por fatores da luta, acabei caindo, tomando um waza-ari no meio da luta. Tentei buscar a luta de tudo quanto era jeito, mas não consegui reverter o placar. Acabei saindo do Mundial. A equipe em si não teve um resultado muito bom. Não foi o esperado, pelos anos que buscamos tantas medalhas. Então saímos desse ano um pouco abalados por conta deste Mundial. Mas, quando perdemos, é o momento que mais vemos o que precisamos corrigir. Sempre cresci muito nas derrotas. A Confederação inteira consegue ver o que deu de errado e o que precisa melhorar. É importante tirarmos deste ano o que foi feito. Não dá para pensar o ano todo em uma competição, porque tiveram muitas medalhas, no próprio Mundial Militar foi maravilhoso. Foi incrível poder ver o pessoal lutando. Foram vitórias muito importantes para nós. Levar todos esses acontecimentos para ajustar para o ano que vem ter mais medalhas.

Falando nisso, em 2019 tem outro Mundial e Jogos Pan-Americanos. O que dá para esperar dessas duas competições?

É um ano muito importante. Antecede às Olimpíadas. É o ano que estamos brigando pela classificação da categoria e da vaga em si. Há uma disputa interna com adversários brasileiros e externa para se encaixar no ranking. Mas estamos com um time muito bom. Tenho certeza que vamos classificar todas as categorias. O planejamento está sendo feito desde agora. Essas duas competições vão ser muito importantes. Os Jogos Pan-Americanos é uma competição muito forte, vale muitos pontos no ranking. E o Mundial será no Japão. Já é um preparatório, já vai ter uma visão de como vai ser os jogos olímpicos lá. Então precisa estar ainda mais preparado, para poder entrar em 2020 tranquilos, só pensando em olimpíada.

Há a possibilidade de você ser tricampeã mundial. Seria a primeira brasileira a conseguir tal feito na modalidade. O que isso representa?

É uma coisa que eu não penso muito. Procuro deixar mais de lado. Penso nas coisas que posso fazer naquele momento, que é treinar bem, me preparar, fazer cada luta, uma por uma. Claro que é real, mas não é concreto. Dá uma pressão maior. Procuro pensar no que eu tenho hoje por fazer. Quando me tornei bicampeã mundial, aí fui pensar o que significava isso. Mas por enquanto eu penso no que preciso fazer para chegar bem na próxima competição.

Os próximos Jogos Olímpicos estão chegando. É o grande objetivo?

Um dos grandes objetivos da minha carreira é conquistar o ouro olímpico mesmo. Claro que não pode virar uma pressão. É complicado porque você chega na competição e tem um dia para mostrar tudo o que fez nos últimos quatro anos. Se perder na primeira luta, cai fora, não tem chance de voltar. Então é uma coisa que precisa estar muito bem preparado psicologicamente. Desde quando acabou a Olimpíada no Rio, eu já venho preparando minha cabeça. Ainda tem um tempo pela frente, mas o quanto antes começarmos a trabalhar, a questão psicológica... Os Jogos serão em Tóquio, na casa do judô. A japonesa que estiver lá, vai estar muito bem preparada, muito pressionada também. Mas eles vão estar no ambiente deles. Acredito que a cabeça, em um momento de olimpíada, é o mais importante. Claro que você precisa estar preparado fisicamente, tecnicamente. Mas acho que muito mais o psicológico.

Houve um momento na sua categoria que era Kayla Harrisson e Mayra Aguiar como as dominantes. Hoje, o próprio técnico da seleção declarou que há outras judocas chegando. O que você pensa em fazer para se manter no topo, competitiva?

Essa rivalidade que tivemos era sadia, não era uma coisa que uma não gostava da outra, até era ao contrário. Ela foi uma atleta que me fez crescer muito. Lutamos muito durante a carreira, meio que saiu empatado. Por isso virou “a rivalidade”. Sempre foi uma luta que, independente da vitória ou da derrota, eu saia com uma bagagem grande. Sempre vão ter outras pessoas, a categoria é tem muita judoca forte, que sempre estamos de olho estudando. Para os próximos eventos, estou treinando muito a cabeça. Me preparando para competições grande, momentos importantes. São detalhes que fazem a diferença. O nível técnico é muito acirrado. Fora do tatame, um bom descanso, uma boa alimentação, uma boa rotina podem fazer essa diferença. Procuro fazer tudo muito certo nesse final de ciclo.

Para finalizar, comente sobre a Érika Miranda, que anunciou a aposentadoria logo após o Mundial.

Foi a atleta do ano. A parada foi um choque para todo mundo. Para mim também significou muito, porque ela estava em uma das melhores fases da carreira. É uma atleta absoluta na sua categoria, estava entre as três do ranking mundial. É uma atleta que eu cresci com ela, acompanhei a carreira, quando entrei na seleção ela também entrou junto. Acompanhei as fases ruins e boas dela. O momento mais difícil foi em Pequim, pois ela teve que sair da competição por estar com o joelho machucado, tiraram ela, não pôde lutar. Eu vi todo o trauma, a choradeira, aquela loucura toda. Também vivi quando ela conquistou o vice-mundial. Foi um choque ela ter parado. Nós começamos a repensar toda nossa vida, toda nossa carreira. Mas ela explicou que está com problema de saúde, mas é uma atleta que sempre vai trazer energias boas para nós. 


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