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Pioneiro no esporte paralímpico, Clube do Otimismo luta arduamente para se reerguer

Por Marcos Antônio


Quem passa de carro ou a pé em frente da faixada do Clube do Otimismo sequer imagina o quanto de história que o local carrega.

Localizado no bairro do Méier, na zona norte do Rio de Janeiro e a pouco mais de dois quilômetros onde foram disputadas as competições de Atletismo nos jogos Paralímpicos Rio 2016, um banner discreto e com um dos lados soltos diz que ali reside o clube pioneiro no esporte paralímpico no Brasil. E a informação procede: é impossível falar de esporte paralímpico no Brasil sem falar do Clube do Otimismo.

O clube foi fundado em 1º de Abril de 1958, por Róbson Sampaio de Almeida. Ele morava nos Estados Unidos quando sofreu um acidente em fábrica de celulose em que trabalhava, acidente este que o deixou paraplégico. Enquanto se recuperava no hospital, via como os americanos usavam o esporte para a reabilitação e ressocialização das pessoas com deficiência. 

Voltou ao Brasil e em 1957, incentivado pela vinda da equipe de basquete de cadeira de rodas americana Pan am Jets para fazer alguns amistosos no país, quis criar um clube. Róbson pediu ajuda ao seu amigo Aldo Miccolis, que foi o primeiro diretor/treinador da equipe de basquete em cadeira de rodas do Clube do Otimismo.

O Clube do Otimismo, foi ao lado do Clube do paraplégico de São Paulo (CPSP) que foi criado por Sérgio Seraphim Del Grande em julho de 58, as pedras fundamentais do esporte paralímpico brasileiro nos anos seguintes.

Em 1959 o ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, foi palco do primeiro jogo  oficial de basquete em cadeira de rodas no Brasil, quando os paulistas do CPSP venceram os cariocas do Clube do Otimismo por 22 a 16.

Recorte do jornal correio da manhã de 1960

Ao longo dos anos, os dois clubes foram fazendo apresentações ao redor do país para ajudar desenvolver o esporte paralímpico no país. Nos anos seguintes, Róbson de Almeida ainda seria o responsável ao lado de Luiz Carlos da Costa pela primeira medalha do Brasil em Jogos paralímpicos, uma medalha de bronze no Lawl Bowls - esporte semelhante à bocha paralímpica, disputado ao ar livre - nos Jogos de Toronto de 1976.

Mas o clube, que além de oferecer atividades esportivas, tinha consultas médicas e um semi-internato para pessoas com deficiência, sempre passou por dificuldades. Ora por ser uma entidade sem fins lucrativos e ora Róbson, com as dificuldades em conciliar as carreiras de atleta e administrador do local.

Na famosa grande enchente que assolou o Rio de Janeiro em 1966, quase o clube fechou as portas, por conta do total estado de destruição que as águas fizeram na quadra e no prédio, por conta do transbordamento que um rio que passa por debaixo do clube.

Sempre pedindo ajuda aos governos vigentes e a doações, o clube foi se mantendo. Mas após a morte de Róbson em 1987, a situação se complicou e a família dele pediu para Aldo Miccolis, já um importante dirigente do esporte paralímpico em nível mundial, assumisse a presidência do clube.

Mas as dificuldades financeiras do Clube já eram muitas e nem mesmo ele conseguiu reerguer o clube, afundado em várias dívidas. Após Aldo falecer em 2009, o Clube do Otimismo acabou fechando as portas no ano seguinte.

Recorte do jornal Última Hora de 1983

O destino do clube fatalmente seria o fim, mas Aldo deixou um discípulo dedicado em manter o Otimismo vivo: Sydney Oliveira, ex-jogador da seleção brasileira de futebol de sete. É com ele que me encontro para bater um papo sobre o otimismo em uma noite de outubro.

Sydney foi o nosso cicerone no Clube. Batemos um papo em meio a um treinamento da escolinha de futsal do clube administrada pela coordenadora do clube Elaine Cristina e logo depois ele nos mostrou todo o prédio, que é bem maior do que se imagina ao observar apenas a sua fachada.

Duas pequenas estantes de vidro no corredor principal, mostrando algumas das conquistas do passado - do esporte paralímpico e do presente - com o futsal, enfeitam o corredor principal, “Afinal, troféus foram feitos para ser mostrados” afirma.

Sydney Oliveira, presidente do clube do Otimismo

Durante o passeio pelo clube, Sydney conta sua história. Ele conta que já tem 26 anos de clube, quando começava a pensar em encerrar sua carreira de jogador de futebol de sete, foi convidado por Micolis, ou ‘Seu Aldo’ como seu Sydney chamava, para vir para o clube, onde se apaixonou pelos projetos e a inclusão com as pessoas com deficiência.

Sydney também relembra o quadro de terra arrasada quando assumiu a presidência, quando reabriu o clube em 2011: “O prédio estava cheio de infiltrações, infestado por cupins...As dívidas eram muitas, tínhamos dívidas trabalhistas muito antigas, dezenas de penhoras, toquei o clube na teimosia mesmo”. Afirma Sydney, que revelou que algumas dívidas tem quarenta anos, por conta do Pan-americano de esportes em cadeira de rodas em 1978, realizado no Rio de Janeiro e que teve Róbson como um dos organizadores e que deixou muita gente sem receber o dinheiro devido.

E o trabalho foi difícil. Ao reabrir, ele não tinha condições nenhuma do Clube do Otimismo fazer o mesmo trabalho para pessoas com deficiência e nem manter os esportes paralímpicos por não ter quase nenhuma verba para isso.

Sydney afirma que tirou dinheiro do próprio bolso para que pudesse ajeitar as salas e assim tentar alugá-las, para gerar um mínimo de renda para poder reformar o resto do prédio e da quadra, que estavam em um estado lastimável e hoje estão em boas condições de uso graças a estratégica de Sydney. 

Ao longo dos anos, Sydney foi conseguindo fazer o clube funcionar, retomou o esporte no clube com a escolinha de futsal para crianças, e assim aos poucos foi melhorando o local com as poucas verbas que ia conseguindo.

Conseguiu o perdão de algumas dívidas com a Caixa Econômica, com a ajuda do Comitê Paralímpico Brasileiro, mas ainda tem que depender de advogados para resolver os vários pedidos de penhoras do clube sendo discutidas na justiça: “A grande sorte nossa é que existe um rio que passa praticamente por baixo da quadra, e quando chove alaga tudo aqui. Então não tem como fazer uma grande construção por aqui. Senão acho que já tínhamos perdido esse lugar”.

Sydney aceitou a empreitada muito por conta da admiração nutrida por Aldo Miccolis. Ele conta muitas histórias sobre ele, como quando ele chegou a dar a escritura de sua casa para garantir um empréstimo para uma equipe brasileira paralímpica fosse a uma competição na Europa, para desespero da esposa de Aldo.

Com carinho, Sydney conta as frustrações de Seu Aldo com o clube que ele gostava tanto: “Ele dizia que conseguiu ajudar tanta gente, tanta instituição, mas não conseguia justamente ajudar o seu clube como gostaria” e elogia os nomes que fundaram o clube: “Aldo e Robson eram idealistas, eles viam que podiam fazer algo por pessoas com deficiência muito antes de ter essa preocupação nas pessoas em geral.”


A placa com a icônica frase fica na sala da presidência, permanece em uma sala cheia de canos, baldes e utensílios de obras misturados aos troféus bem maiores do que os da estante do corredor principal, mas em mau estado e de difícil identificação, e quadros com fotos de vários eventos paralímpicos em que Aldo esteve presente.

Sydney explica todas aquelas coisas que estão aqui porque além de presidente, ele faz os serviços faxineiro e mestre de obras, fazendo o que pode em reparos para o clube. Mas outra sala da presidência está sendo preparada para acomodar melhor as memorabilias e troféus.

Umas das lembranças de jogos paralímpicos que Aldo Miccolis trazia para o clube

Sydney, que chegou a ter badminton no clube recentemente e atualmente tem o corfebol como outra atividade esportiva, sonha conseguir trazer de volta para o clube os esportes paralímpicos que fizeram o clube se tornar referência nacional. Inicialmente tem o projeto da bocha paralímpica voltar para o clube, o que já seria muito importante por ser um dos esportes mais inclusivos entre os paraolímpicos. Mas antes de tudo, precisa ter verba para isso, algo que Sydney espera conseguir em breve.

Portador de uma paralisia cerebral que limita um pouco sua fala e nascido no morro do Andaraí, Sydney conta como o esporte mudou sua vida e como se vê satisfeito hoje em dia e manter o clube com o seu espirito inclusivo: “Eu gosto de dizer que no momento continuamos a fazer o trabalho de inclusão de antigamente. Se antes incluíamos crianças e jovens com deficiência, agora incluímos crianças que estão trancadas dentro de casa, brincando com videogame, a fazer uma atividade esportiva, a se exercitar e fazer novos amigos. E ver as crianças se desenvolvendo não tem preço. Eu ganho quase nada com o clube, mas isso não tem dinheiro que pague”

Questionado se ele era um herdeiro do que os pioneiros no esporte paralímpicos fizeram, ele discordou: “Não, em comparação a eles não fiz nada. Sou pequeninho.” Sobre o futuro, ele afirma que com certeza ele estará no Clube do Otimismo, sua grande paixão: “Minha mulher brinca dizendo que isso aqui é a minha 'cachaça'. E é verdade (risos)”

Fotos: Marcos Antônio e recortes dos jornais última hora e correio da manhã extraídos do site do acervo da biblioteca nacional.

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