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Surto Entrevista: Fofão

Por Marcos Antônio, Bruno Guedes e Bruno Vieira

Hélia Souza, a 'Fofão' é sem dúvidas um das atletas olímpicas mais laureadas do Brasil. Dona de três medalhas em olimpíadas (ouro em Pequim 2008, bronze em Atlanta 96 e Sydney 2000) - a atleta brasileira com mais medalhas na história - cinco olimpíadas seguidas, seis títulos de Grand prix, dois vice-campeonatos mundiais, um título pan-americano e 340 partidas na seleção brasileira. Pelo seu perfil tímido, sem marketing pessoal, sempre trabalhando como uma formiguinha enquanto atuou dentro de quadra, a ex-levantadora pode não ter reconhecimento merecido diante do grande público, como uma das maiores atletas do seu tempo.

Dona de uma história fascinante, Fofão lançou em 2018 a sua biografia 'Toque de gênio - A História e os exemplos de Fofão' escrito por Kátia Rubio e Rodrigo Grillo  e que teve sua tarde de autógrafos no fim de julho no Rio de Janeiro.

Em entrevista para o Surto Olímpico, Fofão conta sobre a ideia da biografia,o segredo da longevidade e o momento de parar, além do momento do ultimato dado por ela a Zé Roberto Guimarães a uma possível volta de Fernanda Venturini às vésperas da olimpíada de Pequim 2008, retratada no livro e muito comentada pela mídia especializada. Confira: 


- Como surgiu a ideia de fazer a biografia?

- Na verdade, ideia surgiu quando eu ainda jogava, em 2010. Eu tinha feito uma matéria com a Kátia (Kátia Rubio, co-autora do livro) e ela comentou 'quando você for escrever sua biografia, você deixa que seja eu que a escreva?' E eu respondi 'Nossa,nem tô pensando nisso ainda!' Prometi a ela que quando parasse, a gente conversava no assunto. A gente foi amadurecendo a ideia e assim que parei de jogar, retomamos o projeto de como seria essa biografia. 

- Como foi revisitar toda a sua trajetória, seus momentos bons e ruins, para por no livro?

Foi difícil. Eu não tenho muito material da minha infância, como fotos. Eu tive que reviver tudo voltando no meu bairro onde cresci (Lauzane Paulista), tive que abrir a mente da minha mãe para ela me ajudar a lembrar das coisas, porque na verdade eu não tenho muitas recordações da infância. Mas ao mesmo tempo foi muito emocionante, pois teve muitas histórias que eu não me lembrava mais e que a gente reviveu para fazer o documentário. O mais importante foram que as lembranças boas ficarão eternizadas e não serão mais esquecidas.

- E como surgiu a ideia do documentário no meio de tudo isso?

Não tínhamos plano nenhum para o documentário de início. Queria mesmo só fazer a biografia. Mas no segundo dia que a gente começou a gravar os depoimentos, começou a entrar muita emoção na fala das pessoas e daí surgiu a ideia de registrar em documentário tudo isso. Porque era um momento que a gente não poderia entrevistar as mesmas pessoas novamente e ter a mesma emoção inicial. Acabamos arrumando uma produtora que se interessou no projeto e a partir daí, fizemos as coisas juntos.

- Essa pergunta todo mundo deve fazer para você: Qual foi o segredo da sua longevidade no vôlei, pois você deu a impressão que poderia continuar jogando em alto nível tranquilamente...

Puxa vida...(pensando) Olha, eu me dediquei muito ao esporte, e como atleta sempre me cuidei. Quando tive a consciência de que realmente seria uma atleta, eu sabia que dependeria 100% do meu corpo. Os cuidados que eu tive, tanto com o descanso quanto com a alimentação, faz a diferença conforme vamos ficando mais velhos. Você cuidando tanto do seu corpo, passa um momento em que ele começa a te agradecer de alguma forma. E eu nunca tive nenhuma lesão muito grave ou fiz cirurgia, isso também contribuiu bastante. Também teve a vontade de estar sempre em quadra jogando, acho que somando todos esses fatores, as coisas foram indo e...foi isso, não tem nenhum segredo. Terminar minha carreira aos 45 anos não foi planejado.

- E foi muito difícil decidir parar e marcar uma data para isso?

Acredito que para qualquer atleta, a decisão de parar é muito difícil. Ainda mais quando é uma decisão sua. Eu não iria parar porque estava lesionada, eu teria que decidir quando seria esse momento de parar. E no último ano da carreira, no início eu tava muito tranquila 'ah faltam dez meses ainda'. Mas quando chegou no último dia, foi muito assustador. Eu olhava aquela final (Final da Suprliga de 2015, Rexona/Ades 3 sets a 0 no Nestlé/Osasco), jogando e eu falava para mim mesmo: 'Como é que eu vou viver agora sem essa adrenalina, essa emoção?'. É um dos momentos mais difíceis para qualquer atleta, mas a gente tem que saber a hora de deixar a quadra e graças a Deus, foi da melhor maneira possível. Talvez se eu tivesse planejado a minha história no vôlei para ter esse final feliz não teria sido tão perfeito como foi.




Após encerrar a carreira, você trabalhou comentarista na rio 2016. Trabalhar na Televisão é algo que você almeja ou você tem desejo de trabalhar com Vôlei, ora na base, ora em uma comissão técnica?

Acho que um dos erros que a gente acaba cometendo quando encerra a carreira é não definir algo para fazer depois que tudo termina. Mas no meu caso apareceram várias coisas para fazer, comentar foi uma delas, o que fiz na olimpíada, o que pra mim foi um momento muito especial. E é uma situação muito difícil, pois ainda foi muito recente, logo após minha saída das quadras, mas ainda sim foi uma experiência muito boa.

Mas eu não tenho nada programado nesse pós-carreira. Eu fiz o curso de nível 2 de Vôlei, mas eu ainda estou tentando me descobrir e fazer novas coisas. Eu costumo dizer que minha vida nada foi planejado e eu prefiro assim. Conforme for aparecendo as oportunidades, a gente vai vendo em qualquer área que seja. Não estou fechada a nada na vida

Um dos momentos mais falados de sua biografia foi o momento em que a Fernanda Venturini quis voltar à seleção às vésperas dos jogos de Pequim e você foi falar com o Zé Roberto, dando um ultimato a ele. Esse foi um dos momentos mais difíceis que você teve na carreira, ter que mudar de seu perfil e precisar impor uma condição a um comandante seu?

Foi um momento muito delicado. Porque até mesmo a gente se reuniu após Atenas para esse ciclo de 2008 e o Zé tinha feito uma proposta para o grupo, de formar uma base desde o começo do ciclo, se manter focado muito no objetivo da medalha. E eu, como atleta e capitã, abri mão de tudo, me dediquei de corpo e alma a isso.

Então quando surgiu essa situação, com essa possibilidade dela voltar às vésperas de uma olimpíada, eu não achei justo. Não ia ser legal com o grupo e comigo mesmo. Foi uma coisa que eu não aceitei muito bem, e eu deixei bem claro minha posição e minha situação, só que na hora de decidir, é o técnico que decide. Não sou eu que tem que falar o que ele tem que fazer. Era a decisão dele.

Mas não foi um momento difícil pra mim. Eu vi que eu tinha que me posicionar diante daquela situação que não era confortável, pois seria muito desagradável ter que conviver com uma decisão dessa. Dificilmente na minha carreira eu fiz algo parecido, mas só que dessa vez eu vi que era o momento de me posicionar e eu não me perdoaria se eu tivesse ficado quieta e aceitado essa situação. Então tive que falar minha posição para o treinador.


O ciclo de Pequim 2008 foi um ciclo que começou com a sombra de uma derrota muito doída em Atenas, e durante o caminho ainda teve mais duas derrotas bem doídas(vice Mundial em 2006 e prata no pan de 2007 no Rio de Janeiro). Como foi transformar as dores das derrotas, as críticas de 'amarelonas' que a seleção feminina tinha, para fazer uma olimpíada irretocável em Pequim?

Realmente, foi um ciclo muito complicado para essa geração. Porque a gente veio carregando um peso de 2004 muito grande e a gente se cobrava muito para mostrar para as pessoas que não éramos o que elas pensavam. A gente conseguiu fazer um grupo consciente. Batemos na trave no Pan do Rio, no mundial de 2006, a gente se cobrava muito pelas derrotas, mas também víamos que estávamos em uma grande evolução técnica, só que os resultados não apareciam. E é muito frustrante, porque você quer ganhar tudo que vê pela frente, mas quando a gente jogou e ganhou o Grand Prix em 2008, o nível que não só eu, mas todas as 11 jogadoras atingiu era altíssimo e nos deu uma expectativa muito grande que a gente tinha chegado no auge daquela seleção.

E quando veio a Olimpíada, a gente manteve o mesmo nível e jogamos forte, do jeito que nós gostaríamos de jogar e o ouro veio. com isso, acho que fizemos as pessoas esquecerem as coisas ruins que elas pensavam e começaram a ver a gente com outros olhos.


Qual momento da caminhada para o ouro em Pequim você considera o mais marcante?

O jogo mais marcante para mim foi contra a China, a semifinal. Era o time da casa e tínhamos aquele receio de enfrentá-las, por elas estarem jogando em casa, tendo o apoio da torcida. E acho que foi um dos jogos mais tensos da seleção, pois mesmo sabendo que estávamos em ótima fase, a gente sabia que aquele jogo era fundamental: Ou a gente iria fazer nossa história ou íriamos dar razão ao que as pessoas pensavam da gente. Era tudo ou nada.  Eu lembro que a gente começou o jogo muito presa, o primeiro set foi difícil, até o jogo começar a fluir e ali era fundamental que a gente jogasse bem. A gente venceu por 3 a 0, mas ao ao contrário do que o resultado possa aparecer, não foi nada fácil.

E Calhou de oito anos depois as chinesas se vingarem e ganharem da gente aqui...

(risos) Não é que é verdade? A gente ganhou delas lá e fomos campeãs olímpicas, e depois elas ganharam da gente aqui e foram campeãs olímpicas. Acabaram com a nossa graça aqui...


Você foi a levantadora de confiança do Bernardinho e do Zé Roberto, dois gênios do vôlei. Como foi trabalhar com ambos? Existia alguma diferença no jeito de trabalhar de ambos?

Eu sempre digo que diferença maior é na maneira que os dois tem de comandar a equipe. A postura dos dois é o diferencial deles. Eu digo por mim, que eu evoluí demais trabalhando com os dois. Técnico bom é isso. Tem que tirar o máximo do que a atleta tem de melhor e sempre que eu trabalhei com os dois, eu vi o quanto que eu evolui. E a diferença deles está na beira de quadra, um é mais tranquilo, outro mais enérgico, a 200 por hora, mas em treinamentos o nível de exigência dos dois é igual, é bem alto.

Penso que toda pessoa que faz uma biografia faz pra deixar algo para ser lembrada no futuro. Qual a mensagem que você pretende deixar com esse livro?

A biografia não foi para ficar rica, até porque vender livro não deixa a gente rico (risos). Mas nunca foi uma coisa que queria muito fazer, até porque antes eu pensava que era algo que expunha demais, ficar abrindo nossa vida para as pessoas. Mas quando você começa construir tudo isso, rever a sua história, rever tanta coisa boa que eu fiz que foi tão positiva, pensei que valia a pena deixar escrito para que as pessoas leiam, para que saibam que as coisas não foram tão fáceis, mas qualquer um pode chegar se tiver dedicação. O livro é mais uma mensagem, um legado das coisas que foram construídas por muita luta, perseverança, garra. Que o livro sirva de motivação e inspiração para outras pessoas.

Eu sempre digo que eu não gosto que as pessoas lembrem de mim chorando, Quero que elas lembrem de mim sorrindo lá no lugar mais alto do pódio, como vencedora. Quero que vejam que a gente pode chegar em algum lugar e ser vencedora.


fotos: Instagram da fofão, EFE, Getty Images e Cinara Piccolo

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