A acelerada mudança climática pode impactar de forma
significativa na preparação para os próximos jogos de inverno. Atletas de todo
o mundo já notam a diferença em locais tradicionais de esqui, como nos Alpes
Suíços. É comum atualmente ver geleiras e campos de neve se derretendo e o gelo
glacial se quebrando nas proximidades das montanhas que servem como local de
treinamento para as equipes nacionais.
Outro indicador sutil, mas revelador do impacto das mudanças
climáticas nos esportes de inverno é ver atletas com o uniforme do Time dos
Estados Unidos treinando em Saas-Fee, na Suíça, a 5.000 milhas de distância das
Montanhas Rochosas e 3.500 milhas das Montanhas Verdes da Nova Inglaterra. Os
americanos por poucas vezes ao longo dos anos tiveram a necessidade de mudarem
de continente para que pudessem ter onde treinar fora da temporada de inverno,
mas o aquecimento está forçando os atletas a procurarem mais longe de casa condições
invernais, particularmente a poucos meses de uma Olimpíada. "Sem a neve e
o frio nos lugares nos Estados onde normalmente está frio, temos que viajar
para cá e encontrar um lugar em uma geleira para tirar alguns saltos",
disse Jon Lillis, campeão mundial de esqui aéreo. "Algo que aterroriza
todos os atletas de inverno diariamente é o fato de que as condições não são
tão boas quanto costumavam ser. Você vê vídeos de pessoas que esquiam nas geleiras
nos anos 80 e 70, e metade dessa geleira nem mesmo existe mais", lamentou
o atleta.
A caça por locais de treinamento fora de temporada é cada
vez mais uma briga, e não apenas para os americanos. A forte onda de calor que
assolou a Europa no mês de agosto, chamada de "Lucifer", causou
estragos nos treinamentos das equipes. Os esquiadores canadenses do
cross-country tiveram que cancelar os planos de treinar na geleira de Stelvio,
na Itália. A equipe teve quer mudar seus treinamentos para Mount Hood, no
estado do Oregon.
Os canadenses enfrentaram outros problemas causados pelas
mudanças climáticas em outros locais. Durante o verão tiveram que fazer uma
viagem de treinamento planejada para a Argentina por causa de clima hostil e
ventos extremos. O Glaciar Horstman em Whistler, na Columbia Britânica, perto do
local onde foi disputado o esqui alpino nas Olimpíadas de 2010, deteriorou-se
tanto que um acampamento de snowbord recreativo de renome foi cancelado e
outras atividades foram reduzidas.
Já a equipe francesa do morguls teve que cortar um campo de
treinamento em julho na geleira local de Tignes, depois que uma fenda foi
aberta no percurso. O treinamento deste ano teve apenas um salto em vez dos
dois habituais devido a uma escassez de neve, disse o membro da equipe, Ben
Cavet. Ele disse ter ficado chocado com a deterioração visível de seu local
regular para treinamento no verão. "É louco, você sabe? Eu sempre pensei
que o aquecimento global era como o seu avô indo: ‘Oh, eu costumava esquiar
aqui há 20 ou 30 anos e havia mais neve’. Mas agora estamos falando de oito
anos. Posso ver uma grande diferença. Na geleira, agora existe um enorme
penhasco, você conhece como uma grande rocha, que você nem conseguiu ver
antes", disse Cavet em uma entrevista. "É preocupante, muito
preocupante. O que me assusta sobre o aquecimento global é que você pode ver
que o mundo está sofrendo em alguns dos lugares mais bonitos da Terra",
acrescentou.
O pesquisador francês Antoine Rabatel disse que é
"altamente provável" que as mesmas tendências apareçam em geleiras em
outros lugares da Europa, à medida que os invernos ficarem mais curtos e os
verões mais quentes. O treinamento de esportes de inverno, disse ele, "ficará
cada vez mais difícil".
Com as constantes mudanças climáticas, a busca por locais de
treinamento está mexendo com o orçamento dos treinadores. "Preciso ser
progressivo e procurar novos pontos", disse Jankowski, que teve que
adicionar locais europeus mais confiáveis para um cronograma de viagens
global que já inclui viagens para a Nova Zelândia e outros locais no Hemisfério
Sul.
Atletas engajados em causas ambientais estão tendo que
encarar o dilema moral de contribuir para a poluição atmosférica com a busca
cada vez maior por locais com neve. "Nós levamos aviões para ir para o
exterior. Nós levamos carros todos os dias para treina. Não somos exemplos
sobre como diminuir o aquecimento global”, disse o esquiador francês
Pierre-Vaultier, medalhista de ouro em Sochi 2014.
Temperaturas de cerca de 4 a 10 graus celsius brindaram
esquiadores e snowboarders do estilo livre durante o Campeonato Mundial na
Espanha, no passado mês de março, criando condições brandas como aquelas que
tiraram parte do brilho dos Jogos de Sochi 2014 e das Olimpíadas de 2010 em
Vancouver. "É uma coisa assustadora agora para os esportes de inverno. Há
cada vez menos lugares e todas as geleiras estão derretendo", disse o
treinador da equipe de esqui aéreo dos Estados Unidos, Matt Saunders, em
Saas-Fee. "Definitivamente, é cada vez mais difícil e mais difícil começar
a nevar cedo, com certeza. Nós temos que viajar mais e mais".
Os cientistas alertam que pior está por vir para os esportes
de inverno, e que mais um aquecimento tornará os locais olímpicos comprovadamente
inadequados, mesmo com maior uso de neve artificial. Muito tem sido discutido
sobre a escassez de neve em Pequim e áreas vizinhas que acolherão os Jogos de
Inverno de 2022, embora as autoridades frequentemente tenham descartado o
problema e prometem fazer bastante uso de neve artificial.
Foto: John Leceiter/The Associated Press
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