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SurtoRetrô do Rio 2016 - 16 de Agosto

A terça-feira olímpica amanhecia de uma boa ressaca das três medalhas do dia anterior, onde provavelmente boa parte dos brasileiros só foi dormir bem tarde torcendo por Thiago Braz. Mas, foi um dia extremamente paradoxal. Se de um lado derrotas gigantes do esporte brasileiro deprimiram o mais animado dos torcedores, do outro, a Bahia de Caetano Veloso, Gil, Maria Bethânia, Dorival Caymmi, Jorge Amado e Ivete Sangalo via mais dois de seus filhos entrando para historia e emocionando um país inteiro.


16 de Agosto de 2016.

Ubaitaba, do tupi ubá-'y-taba, significa na língua indígena "terra das canoas". Situada no Sul da Bahia, próxima da Ilhéus de Gabriela, Cravo e Canela, a cidade é berço, como faz jus ao nome, de canoistas que tem frequentado seleções brasileiras desde Jefferson Lacerda em Barcelona-92. Mas, na manhã daquele dia, o Brasil pode reverenciar na Lagoa Rodrigo de Freitas seu maior filho ilustre. Isaquias Queiroz dos Santos, um jovem típico baiano com sua alegria e irreverência, remou por mil metros em sua canoa para entrar para a história e colocar a canoagem de velocidade no seleto grupo de modalidades a conquistarem medalhas olímpicas para o país. A prata foi conquistada naquela manhã na prova da C1 1.000 metros, ficando atrás apenas de Sebastian Brendel da Alemanha, que se tornava bicampeão olímpico da prova. Bem animado, subiu ao pódio ao som da trilha "samba-funk", dançou, fez um "coraçãozinho" com a medalha, quebrou protocolos se jogando na torcida e movimentou as redes sociais onde adquiriu milhares de fãs. Mal sabia que alguns dias depois daquele momento, entraria ainda mais para a história olímpica brasileira.



O outro é soteropolitano. Vindo da periferia de Salvador, onde começou no boxe em um projeto social por "brigar demais" na rua, Robson Conceição também conquistava um feito inédito para sua modalidade naquela noite. Quando pisou no ringue de boxe do complexo do Rio Centro naquela terça-feira, houve quem dissesse que ele apenas cumpriria tabela contra o francês Sofiane Oumiha, já que a final antecipada aconteceu nas semifinais contra seu grande rival, o cubano Lazaro Alvarez. Mas é uma Olímpiada, ninguém - incluindo um finalista olímpico - poderia ser subestimado e ambos movimentariam mais um "Brasil x França" que já tinha virado clássico naquela edição dos Jogos. Mas, por mais que Oumiha tentasse, era o dia da Bahia, era o dia que o prato tipo do Rio não era comida de boteco e sim um bom acarajé, era o dia de Robson. Quando o sino tocou anunciando o final da luta, o francês - com o nariz machucado após os três rounds -, sabia que não era "La Marseillaise" que tocaria ali na cerimônia de premiação, Robson tinha sido muito superior e não foi surpresa pra ninguém quando o árbitro levantou o punho do brasileiro, o declarando campeão olímpico, o primeiro da história do Brasil. Mesmo com apenas 28 anos, não irá tentar o bi em Tóquio-20 pois se profissionalizou logo após os Jogos do Rio, um caminho bem comum entre os boxeadores olímpicos nessa faixa etária. Que "Nosso Senhor do Bonfim" abençoe nosso campeão nessa nova caminhada.

Um dia com um ouro e uma prata para a delegação brasileira pode ser considerado um dia triste? Não, na teoria não, mas com raras exceções aquele dia foi bem marcante também de forma negativa para os brasileiros. Era o único dia em que uma derrota na maioria dos esportes coletivos significava não conquistar uma medalha. Em uma personificação da Lei de Murphy, onde diz que se algo pode dar errado, dará, a manhã começou com uma derrota de 32 x 23 do Brasil para a Holanda no torneio de handebol. Campeãs mundiais em 2013, a seleção foi surpreendida por uma equipe que anulava praticamente todas as jogadas e táticas do Brasil, nada ali parecia fluir, e o Brasil caia novamente nas quartas de final, como em Londres, adiando em mais quatro anos o sonho de uma inédita medalha para um dos esportes em maior ascenção no país. Por falar em tática, a Suecia, que na primeira fase perdeu para o Brasil por 5 x 1, enfrentava novamente a nossa seleção usando o mesmo estilo de jogo que havia dado certo ao eliminarem a poderosa seleção americana na fase anterior: trabalhar na retranca. Com uma defesa bem posicionada, o Brasil não conseguia produzir muitas finalizações e a Suécia mais uma vez levou o jogo aos pênaltis, onde a sorte conta tanto quanto o talento. Infelizmente, com erros de Cristiane e Andressa, o Brasil perdeu a partida mas ao contrário do handebol, era a semifinal e as meninas poderiam tentar ainda a medalha de bronze. No vôlei, quatro anos antes, o Brasil, então quarto colocado na fase de grupos, venceu a Rússia, vencedora da sua chave, nas quartas de final dos Jogos de Londres em um jogo muito emocionante onde as brasileiras avançaram rumo ao bicampeonato e a Rússia de Gamova, invicta, voltava pra casa. Desta vez, o Brasil era quem estava invicto e a China era a quarta colocada buscando uma redenção. Talvez não seja tão necessário dar muitos detalhes daquela noite dolorasa, acho que todos ficaram incrédulos quando Zhu marcou o décimo quinto ponto do tie break, enterrando em 3 x 2 o sonho do tricampeonato, em casa. O Maracanãzinho ficou em um silêncio mórbido num primeiro momento, só se escutava gritos de alegrias chineses, até algumas pessoas, em meio a lágrimas, começarem a entoar "bicampeãs! bicampeãs! bicampeãs!" no mesmo momento que as jogadoras brasileiras desabavam aos prantos na quadra. Pelo primeira vez desde 1992, o Brasil estava de fora de uma semifinal olímpica no torneio feminino.

Não foram só as mulheres que sofreram nos esportes coletivos nesse dia. No pólo aquático, a seleção brasileira masculina perdia para a Croácia, campeã olímpica em Londres-12, por 10 a 6, também pelas quartas de final. Apesar de terem vencido a poderosa Sérvia dias antes, esta derrota foi "menos" dolorida, pois os brasileiros não eram favoritos a vitória.

Ainda para completar esse dias de altos e muitos baixos, Fabiana Murer, enfrentando uma hérnia de disco, não conseguiu se classificar para a final do salto com vara. Chorando, mas conformada de ter dado o seu melhor com a lesão, anunciou que aquela era sua última prova na vida.

O vôlei de praia feminino resumiu bem o que foi esse dia para o Brasil. As duas semininais foram jogadas na linda Arena de Copacabana. De um lado Larissa/Talita contra a dupla alemã Ludwig / Walkenhorst, do outro Agatha/Bárbara enfrentaram a parceria da maior atleta da modalidade em todos os tempos, Kerri Walsh, em parceria com April Ross. O primeiro jogo, por volta das 16 horas, momento em que já haviam acontecido as derrotas do handebol, futebol e Murer, bem como a prata de Isaquias, a dupla de Larissa, sem o tradicional poder de fogo,e Talita, muito nervosa e errando várias bolas, não conseguiu conter uma fria e talentosa dupla alemã, que venceu de forma bem consistente por 2x0 (21/18 e 21/12). Ainda no vôlei de praia, no apagar das luzes daquela terça-feira onde tudo o que tinha que acontecer já tinha acontecido, era quase meia noite quando os últimos minutos do estranho dia dezesseis deu um alento pra quem tinha acabado de ver o time feminino de vôlei perder. A paranaense Agatha e a carioca Bárbara corriam pela areia procurando saber onde estavam seus familiares e comissão técnica. Com rostos cheios de lágrimas - de felicidade desta vez - haviam vencido a partida contra as americanas por 2 x 0 (22 x 20 e 21 x 18) e estavam na final olímpica. Aliás, a grande e tricampeã olímpica Kerri Walsh, provavelmente vai se lembrar da dupla brasileira e daquela noite pelo resto da vida, afinal, acabara de sofrer ali sua primeira derrota em Jogos Olímpicos.

Ainda nas areias de Copacabana, quem assistiu a semifinal masculina de Alison e Bruno contra os holandeses Brauwer e Meewusen ficou durante todo o nervoso e disputado jogo metalizando "Não, mais uma derrota por hoje, não!". O jogo que aconteceu por volta de cinco horas da tarde momentos após uma sequência de derrotas brasileiras, foi decidido por 16 x 14 no tie-break, em uma virada dos brasileiros que iniciaram o set desempate atrás no placar. O ponto final de Alison foi um respiro de alívio, os brasileiros estavam na final e enfrentariam dois dias depois os italianos Nicolai e Luppo.

Na maratona aquática, em prova vencida pelo holandês Ferry Wertman, Alan do Carmo terminava sua participação em 15° lugar. O bronze de Poliana Okimoto era a única medalha do Brasil na natação nesta edição olímpica.

Robert Scheidt, infelizmente, não conseguiu a sexta medalha olímpica de sua vitoriosa carreira. Após a regata da medalha na classe laser, o brasileiro finalizou em 4° lugar no ranking geral, bem próximo da medalha de bronze. O ouro foi para o australiano Tom Burton.

No atletismo, dia em que Bolt voltava ao Estádio Olímpico e se classificava para as semifinais dos 200 metros rasos, os campeões do dia foram Christian Taylor (Estados Unidos / Salto Triplo), Sandra Perkovic (Croácia / Lançamento de Disco), Derek Drouin (Canadá / Salto em Altura), Faith Kypiegon (Quênia / 1500 rasos) e Omar Mcleod (Jamaica / 110 com barreiras).

Na ginástica, um excelente quinto lugar de Francisco Barreto na final da barra fixa, em prova vencida pelo alemão Fabian Humbuechen. Nas barras paralelas, vitória do ucraniano Oleg Verniaiev, que havia sido dias antes vice campeão do Individual Geral. Por fim, ao som de "Mais que Nada" de Sérgio Mendez, o fenômeno Simone Biles conquistava, com um enorme sorriso como já era de tradição, seu quarto ouro olímpico. A ginástica artística acabava no Rio com a honra de ter visto a estreia olímpica de Simone Biles e com três grandes conquistas dos brasileiros, as pratas de Zanetti e Diego e o bronze de Arthur Nory.

Outra modalidade que terminava neste dia era o ciclismo de pista. Sediado no belíssimo velódromo do Parque Olímpico e com domínio da terra da Rainha, o esporte teve inúmeros recordes mundiais com destaque para o casal britânico Jason Kenny (3 ouros) e Laura Trott (2 ouros).

Fique agora com o depoimento de hoje. O jornalista Rodrigo Huk, que cobriu os Jogos Olímpicos pelo Surto Olímpico, conta como foi este dia de altos e baixos para ele. 


Por Rodrigo Huk


O sol já havia sumido naquele início de noite no Rio da Janeiro. Sentado no chão, no final de um dos corredores do Terminal de Transporte de Mídia, observo a agitação de jornalistas brasileiros e asiáticos perguntando incansavelmente a um dos motoristas se aquele ônibus iria até o pavilhão do boxe. O homem repete - também incalsavelmente - que não, aquele veículo tinha como destino o campo de golfe.

A pressa dos jornalistas beirava o desespero, afinal, Robson Conceição lutaria a final olímpica dentro de pouco mais de uma hora. Eu permanecia sentado, com toda a tranquilidade que dois copos de cerveja não programados, oferecidos a mim meia hora antes por dois cariocas que eu sequer conhecia, poderiam me dar.

Foram em momentos como esse em que mais consegui me sentir dentro da Olimpíada. Sentado no chão, exposto ao tempo, suado e com fome. Era quando o sangue acalmava e caía a ficha sobre o que estava ocorrendo ao meu redor.

Naquele dia estive na Arena do Futuro para ver a apatia brasileira diante da Holanda, no jogo que interrompeu o sonho de uma medalha olímpica para a geração campeã mundial. Depois estive no Estado Aquático para acompanhar a eliminação do polo aquático masculino brasileiro (que já havia feito história, sejamos justos), para a Croácia. De quebra, no intervalo ainda pude ver lá mesmo, pela televisão, a seleção brasileira de futebol feminino perder nos pênaltis para a Suécia, em um jogo que, segundo os indignados funcionários da lanchonete da Arena, foi dominado pelo Brasil.

Na mesma terça-feira o Brasil ainda seria eliminado no vôlei de quadra feminino e teria Larissa e Talita perdendo a semifinal na areia. Para muitos, a terça-feira 'amaldiçoada' para o Brasil nos Jogos. Para mim, uma das lembranças mais especiais.

Apesar das derrotas, pude presenciar ao vivo um dos jogos de handebol mais fantásticos que já vi, com a França virando um 18 a 11 contra a Espanha em menos de 15 minutos para o fim da partida. Também dei uma escapada para a Arena Carioca e pude assistir a um fim de jogo equilibradíssimo entre Austrália e Sérvia nas quartas do basquete feminino, com vitória sérvia por dois pontos. Mas a cereja do bolo estava por vir...

O ônibus correto finalmente chegou ao terminal no Centro de Mídia. Para confirmar que era aquele mesmo, um dos fiscais imitava movimentos de boxe, na tentativa de se fazer ser ententido pelos estrangeiros. Foi o que me fez levantar, com um sorriso no rosto, e entrar no veículo.

Já no Riocentro, pude ver a torcida criando gritos para o árbitro brasileiro que atuou em uma das lutas. Não conseguia segurar o riso, enquanto os cazaques do meu lado não entendiam o que estava acontecendo e o motivo de tanto alvoroço fora de hora. Um dos melhores momentos da torcida brasileira no Rio. No evento principal da noite para os brasileiros, Robson Conceição não tomou conhecimento do francês Sofiane Oumiha e faturou a medalha de ouro. O hino brasileiro foi a trilha sonora que encerrou meu dia olímpico na Barra.

Hora de pegar ônibus de volta para o MPC, para depois pegar outro ônibus até Deodoro e, finalmente, o trem até o Méier... Ah, como o cansaço envolve as memórias em uma embalagem muito mais especial...

Fotos: Isaquias Queiroz  (Ministério do Esporte) / Robson Conceição  (Agência Reuters)

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