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Surto Entrevista - Aldo Ramos

O Surto falou com o comentarista do SporTV e atleta de Cross Country Aldo Ramos, que falou um pouco do Mundial de Biatlo, Cross Country e Brasil nos respectivos esportes.

- O Brasil participou do Mundial Adulto de Biatlo pela última vez em 2013 com Jaqueline Mourão, ficando de fora das três edições seguintes do evento. Quais são as suas perspectivas do esporte no país?

A classificação para o Mundial e para a Olimpíada no Biatlo é sempre mais difícil do que no Cross Country. Por essa razão, até hoje somente a Jaqueline conseguiu alcançar o índice para essas competições. A CBDN vem tentando realizar um processo de renovação de tal forma que a próxima geração, com mais apoio, consiga alcançar esse índice de forma mais recorrente. Como é um processo que leva algum tempo para mostrar resultado, devemos esperar mais alguns anos antes que tenhamos novos representantes brasileiros no Mundial de Biatlo.

- A questão do suposto doping russo patrocinado pelo governo tem estado bastante em evidência ultimamente, ocorrendo inclusive no Mundial de 2017 um episódio bastante controverso na entrega de medalhas do revezamento misto, com o francês Martin Fourcade deixando o local enquanto os russos se direcionavam ao pódio em forma de protesto. Qual sua opinião sobre esse assunto?

Quanto à questão do doping russo, que foi divulgado através do relatório Mclaren, visivelmente ficou claro de que o governo russo fez de tudo para que o país terminasse em primeiro no quadro de medalhas em Sochi. Por mais que aleguem perseguição, teoria da conspiração e outras hipóteses onde fazem o papel de vítimas, as provas e os testemunhos são irrefutáveis. Claro que, pelo menos no primeiro momento, ninguém vai admitir a culpa, e talvez nunca haja uma posição oficial do governo russo sobre o assunto, mas o fato de não assumirem a responsabilidade não ajuda muito a situação deles. O fato dos russos alegarem que outros países também possuem programas de doping não isenta eles de culpa, cabendo a eles ou a outras pessoas comprovarem essas alegações. Mesmo assim, ainda que eles tenham razão nas acusações, me parece improvável que haja uma participação tão forte de outro governo dentro de um programa de doping.

Sobre o incidente no pódio, basicamente todos estavam errados. A IBU por ter deixado a situação chegar às pistas, o Martin Fourcade, que já havia dado declarações anteriores mostrando sua indignação em relação ao doping russo, por ter sido imprudente durante a prova, dado que as imagens dão margem para interpretação de que ele pode ter derrubado o Alexander Loginov de propósito, e os próprios russos (Loginov e Shipulin) ao não apertar a mão do Fourcade no pódio. Mesmo assim, a atitude de abandonar temporariamente o pódio, pois ele acabou voltando depois de alguma insistência, também não foi a melhor reação que ele poderia ter naquele momento, pois fica a impressão de que, só porque é o melhor do mundo no momento, ele pode fazer o que quiser.

- Você considera que as federações, tanto a IBU como a FIS, têm sido lentas ao tomar decisões referentes aos casos de doping no esporte e em elaborar medidas de combate?

Em relação às decisões referentes ao Relatório Mclaren, sim, principalmente no caso da IBU. A FIS foi mais rápida nesse caso, afastou alguns esquiadores que estariam na lista de suspeitos e puniu a federação russa, mas não foi exatamente célere. A IBU ficou aguardando o desenrolar dos acontecimentos e, se não fosse pela pressão dos atletas, talvez até hoje os membros do comitê estariam discutindo o problema. Possivelmente parte dessa demora tenha a ver com a influência política da Rússia, pois o país é um dos mercados mais importantes para o Biatlo, o que talvez justifique a hesitação durante um bom tempo em retirar o Mundial de 2021 da Rússia, decisão que foi tomada na semana passada.

Quando às medidas de combate ao doping, a questão principal está na relação entre as federações esportivas e a WADA/AMA. Existe um padrão que deve ser seguido e que limita a atuação das federações. Toda federação que está em conformidade com a WADA não pode, por exemplo, aplicar uma punição mais dura do que está no código da WADA. Por isso, as federações ficam parcialmente amarradas para aplicar punições maiores para os atletas pegos no exame anti-doping. Portanto, parte do problema do combate ao doping deve partir da WADA, ao modificar o seu código e permitir controles mais ágeis e eficientes, além de punições mais duras para atletas e, principalmente, federações locais. 

Apesar de todos os problemas, eu diria que os esportes que envolvem resistência aeróbica, tanto de inverno quanto de verão, são os que mais tentam avançar no combate ao doping. O problema está em tornar esse combate mais eficiente, dando os incentivos corretos para que a percepção tanto do público quanto dos próprios atletas sobre vencedores que competem limpos seja a melhor possível, e não fazer como na Etiópia, onde decidiram prender os corredores que se dopam, algo que não só não vai resolver o problema como deve piorar a situação por lá.

- Sobre este Mundial, o que te surpreende positivamente e negativamente até agora?

Positivamente eu diria que a organização conseguiu criar o incentivo perfeito nas provas contra o relógio (Sprint e Individual) para que parte dos melhores atletas largue no último grupo. Eles conseguiram colocar um horário no final da tarde, quando os últimos atletas largaram, onde teoricamente a neve sempre ficasse mais firme e mais rápida. Isso manteve a disputa e o suspense em relação ao vencedor até o final da prova. Espero que consigam repetir essa estratégia para as outras provas de Sprint e Individual daqui em diante.

Negativamente, tirando o domínio da Laura Dahlmeier (nada contra ela, apenas que tira um pouco da graça da disputa sabendo que ela está muito forte no momento), eu diria que a questão mal resolvida da IBU em relação ao relatório Mclaren, e que gerou a confusão durante o revezamento misto, poderia ter sido evitada. Se a IBU tivesse tomado uma posição mais firme mais cedo provavelmente não teríamos visto aquelas cenas lamentáveis no pódio do revezamento misto.

- Pyeongchang está a menos de um ano do inicio, o que você apostaria para as competições na Coreia do Sul?

Pyeongchang, ao contrário das últimas sedes dos Jogos de Inverno, já sediou um Mundial de Biatlo em 2009, quando estava na disputa para os Jogos de 2018. Então, apesar de algumas mudanças de percurso, que sempre acontecem, parte das equipes possui algum conhecimento sobre o local de competição. Isso acaba tirando um pouco o elemento surpresa das condições de terreno, que derruba muita equipe grande. Em 2014, por exemplo, parte da queda de desempenho da equipe norueguesa de Cross Country durante alguns dias de competição, para citar apenas o caso mais famoso, se deveu ao fato de que, por conta do horário da competição, a posição do sol na montanha mudava completamente as características da neve em poucos minutos, exatamente na hora em que as provas começavam. Isso custou para eles o ouro em pelo menos três competições, em especial o revezamento feminino, que para mim era considerado a vitória mais certa daqueles Jogos.

Dito isso, olhando para os Jogos anteriores, as equipes e atletas que chegam para o evento como favoritas muitas vezes acabam desapontando, seja por questões técnicas, como essa de Sochi, seja porque você tem atletas que erram na sua periodização de treinamento, pelo fato de acreditarem que a forma física em que se encontram nas semanas anteriores permanecerão até a Olimpíada. Entre os casos mais recentes, podemos citar a Helena Ekholm em 2010 no Biatlo e o Martin Sundby em 2014 no Cross Country.

Portanto, se eu pudesse apostar em alguma coisa para 2018 é que dificilmente teremos um domínio de um país ou de um atleta em Pyeongchang, ao contrário do que vemos durante o restante do ciclo olímpico. Sempre vai ter um que vai ganhar mais medalhas, mas aquela dominação em que os demais atletas brigam pelo restante do pódio é mais difícil. Considerando todas as Olimpíadas disputadas nesse século, somente uma vez houve um domínio total e absoluto de um atleta (Ole Einar Bjoerdalen, em 2002 no Biatlo).


- Dá pra tentar explicar o que acontece com a Suécia no Esqui Cross Country ultimamente, principalmente no caso masculino?

Na verdade, desde a década de 1980 e início da década de 1990 que a Suécia vem fazendo um papel quase sempre de coadjuvante no Cross Country. Depois de Gunde Svan e Torgny Mogren, que venceram diversos Mundiais e Olimpíadas, nunca houve um outro período onde o país fosse realmente temido pelos adversários. Mesmo as vitórias nos revezamentos nos Jogos Olímpicos de 2010 e 2014 foram mais atribuídas ao fracasso da equipe norueguesa do que uma demonstração de força da equipe sueca. Claro que sempre existe um Marcus Hellner, uma Charlotte Kalla, que sempre estão ali brigando entre os primeiros, ou um Johan Olsson, que venceu o Mundial em Falun nos 15 km depois de se dedicar exclusivamente para essa prova, mas os destaques acabam sempre ficando para os grandes eventos, enquanto durante a temporada regular os resultados sempre ficam abaixo do esperado.

Acho que o problema no caso da Suécia tem a ver com a captação de talentos. Embora o sistema seja semelhante ao da Noruega (clubes, “universidades-academias”), parece que não há um incentivo para manter o atleta de elite. O resultado é que a equipe sueca se mantém mais ou menos a mesma ao longo dos anos, sem grandes mudanças, enquanto no país vizinho, quem começa a performar mal é substituído rapidamente por outro que esteja melhor. Enquanto não houver uma grande disputa dentro da própria equipe, eu acho que a Suécia vai continuar dependendo de performances pontuais, como acontece em outros países que possuem desempenhos similares, como França, Alemanha e Finlândia.


foto: Divulgação

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