Maratonista Carlos Lopes, em 1984 |
"Portugal nunca foi – nem é – uma potência olímpica. Em 92 anos desde a primeira medalha, só conquistamos 23, quatro delas de ouro. Talvez isso seja o número de medalhas que os americanos, chineses ou russos ganham em dois ou três dias, ou aquilo que a Austrália ganha numa Olimpíada, e temos grandes falhas em modalidades importantes. Por exemplo, nunca ganhamos uma medalha olímpica na natação. No atletismo tivemos de esperar até 1976 para conquistar a nossa primeira. E foi aí que as nossas grandes glórias foram alcançadas.
E o meu grande momento olímpico foi de madrugada. Aliás, a primeira vez que vi os Jogos Olímpicos em todo o seu esplendor foi em 1984, em Los Angeles. Tinha oito anos, e o espetáculo hollywoodiano que deram em plena Guerra Fria (não sabia que os soviéticos e todo o Bloco do Leste tinham boicotado, em retaliação ao que o Ocidente tinha feito em 1980) fascinou-me ao ver aquilo ao longo dos dezesseis dias. Fiquei grudado na televisão, pensando que um dia, gostaria de participar do evento.
O último dia era o da maratona masculina. Por aqui, já tínhamos vibrado com as duas medalhas de bronze do Antônio Leitão e Rosa Mota, esta última na Maratona, mas havia expectativas sobre Carlos Lopes, que tinha ganho uma medalha de prata em Montreal, e que aos 37 anos estava no auge da sua forma. E ainda por cima, três semanas antes tinha sido atropelado quando treinava, tendo ficado apenas com escoriações.
Por causa das oito horas de diferença entre Lisboa e Los Angeles, a corrida aconteceu pela madrugada dentro. Nessa noite houve dezenas de milhares de pessoas que não dormiram, coladas à televisão, para assistir à corrida de Carlos Lopes, ansiosos pelo resultado. Semanas antes, tinha ajudado outro atleta, Fernando Mamede, a estabelecer o recorde mundial dos 10.000 metros, em Estocolmo, e estava no auge da sua forma.
Foram duas horas ansiosas, com os concorrentes a ficarem para trás, um por um. Quando deixou o irlandês John Traecy para trás, por alturas do quilômetro 37, a ansiedade aumentou. E com alguma razão, porque até ali, nunca tínhamos ganho uma medalha de ouro. Quando entrou no Coliseu de Los Angeles, já com o palco montado para a festa final, todos entraram em delírio. E claro, ver um português no lugar mais alto do pódio foi emocionante, muito emocionante. E ouvir o hino nacional foi como que a dizer que fazemos parte da civilização.
No final, uma pequena historieta: semanas antes, os atletas olímpicos foram recebidos pelo então primeiro-ministro, Mario Soares, na sua residência oficial. Conhecido pelo seu estilo bonachão, abordou Calos Lopes e lhe perguntou o que gostaria de ter, se voltasse de Los Angeles com a medalha de ouro. Ele, um pouco embaraçado, respondeu, como que a medo, que gostaria de um boi no churrasco. No regresso, os atletas foram recebidos com a tal churrascada! "
Paulo Alexandre Teixeira, jornalista português e dono do site continental circus.
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